Memória de um Amor que nunca foi!
Bebedor de luas me embriago, negro no fundo negro das vielas e me dissolvo, sem passo, no abismo onde o tempo naufraga sem lembrança.
Um rio sustenta a tua boca, duas margens de água e carne, duas feridas de um desejo que do corpo se perdeu.
Não fosse a tua boca água nua esperando um barco e morreria eu de amar, e morrerias tu sem mar.
Mas do sempre que fomos o que restou? Silêncio aos pedaços, palavras que em lágrima se soletram.
E são de aves as folhas que tombam e não há chão nem vento onde se deitem.
Melhor dormir se o tempo se faz sem ti e guardar-te em sonho até tu mesmo seres noite.
Desperto: todas as pedras secaram, saudosas de carícia tua.
Todas as luas ficaram por nascer sedentas dos olhos que são teus.
Depois volto a beber o luminoso veneno em que escureço e o dia regressa, mendigo e magro,
buscando em mim lembrança de um amor que de tanto ser não saberá nunca ter lembrança.
Mia Couto, in Memória de um amor que nunca foi (Poema)