Hoje vou buscar-te mais perto, estás quase aí, mas não consigo tocar-te.
Afinal as pessoas existem dentro e fora de nós (e hoje penso que dentro de mim tens sido mais belo do que aí fora), foste o que és também pelo meu olhar, que te cobriu de mantos de afecto; fiz-te príncipe dentro de mim; galgando os muros do teu ser quis lá colocar flores, cores lindas e uma água de amor transbordante.
Inebriava-me o cheiro dessas flores, agora tuas, o sorriso dessas cores iluminadas; sentia-me inundada pelos braços e pelas mãos dessa água, onde me perdia tanto....hoje puxo suavemente esse manto mágico com que te cobri e, receosa, descerro as pálpebras devagar para te olhar – és belo, és parte daquele tu de antes e a parte que te falta sou eu...sou também eu, na leitura que de ti faço; onde e quando te ponho entoações, sentidos, intenções e até pensamentos e sonhos – sim, consigo pôr...-te a sonhar dentro de mim e lá, eu sonho que tu sonhas...comigo.
Mas quando olho para fora e procuro a tua mão com a minha, ela não está lá, como não está o teu olhar para se cruzar com o meu.
Onde estás, afinal, se no sonho que eu via em ti era comigo que sonhavas?!
Tu davas-me a esperança deste sonho e essa esperança fazia-me desenhar esboços de um desejo que era a dois, mas que afinal não passou de um caminho a um, eu.
Apenas comunguei verdadeiramente contigo no espaço da subjectividade em que eu adivinhava e lia em ti emoções, afectos, mas foi tão-somente aí.
Fora de mim não estavas para mim.
Quando penso assim, dói-me ainda e então prefiro cobrir-te com aquele manto e mantê-lo com as mãos, segurá-lo para que não escorregue e te empobreça.
Quando dói parece que faz frio...deixa-me cobrir-te.
(Maria João Saraiva, in a A Dor que me deixaste)