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E como no mergulho quente na lembrança das minhas memórias, olho-te para dentro, choro-te por dentro, sorrindo-te,
todo tu,
toda eu,
por, para e de dentro."
- Encontrei-te no fim da linha, lembras-te?
- Lembro sim.
Fins de tarde que pedem conversa à desgarrada, tertúlias mornas de palavras soltas. E as memórias que nos abraçam forte, ali entre o corpo e o sonho.
Sorris-me de frente, e enches-me o copo de vinho.
Bebo um golo grande.
Quero vinho, sol em despedida, e um beijo teu.
- A vida fez-te mais bonita, sabes?
Sorrio-te de volta. Ainda sinto embaraço de menina com a tua ousadia.
- Vejo que a ti a vida fez-te mais destemido.
- E isso é bom ou mau?
Passa um bando de andorinhas. E o vinho escorrega quente dentro de mim.
- Diria que é bom, sim.
Sorris-me de novo.
- E conta-me princesa. Foste feliz?
Agora sorrio-te eu, e espanto-me com o teu baixar de olhos. Volto atrás em breves segundos e relembro a minha vida. Procuro-lhe a música e a cor, mordo com força os lábios para sentir o sabor das minhas memórias.
E o vinho escorrega quente em mim.
E naquele exato momento, faz sentido o medo e o sol e a vida.
Não consigo encontrar palavras ao que sinto, mas tenho vontade de chorar a sorrir, como quando olhamos pela primeira vez um primeiro filho acabado de sair de nós.
- Fui sim. Fui muito feliz.
Procuro no teu olhar a tua história. E ainda que julgues que te escondes, mesmo não sendo eu corajosa o suficiente para te perguntar, vejo-te inteiro. E a minha felicidade parece, de repente, névoa húmida de dia de verão.
Acabo o copo de vinho de um trago.
Decidimos sem palavras que a conversa vai continuar assim, na franqueza bruta sem as palavras faladas. E é então que começamos, finalmente, a falar. Estendes a mão e agarras a minha. O calor em fúria que sinto gela-me os dedos, deixo de saber as regras mais básicas da vida, e o ar deixa de entrar e de sair, está ali todo preso no meu peito. E então o mundo rebenta em mim e eu conto-te nas minhas milhões de lágrimas. Conto-te, conto-me, conto-nos, o que fomos, o que somos, e o que não seremos.
E como no mergulho quente na lembrança das minhas memórias, olho-te para dentro, choro-te por dentro, sorrindo-te,
todo tu,
toda eu,
por, para e de dentro.
Do blogue:
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