- Como me dói a vida, hoje…
Dizes-me tu em segredo, não vá Deus zangar-se contigo, por constantemente maldizeres o destino, (fado?) que te foi traçado e que percorres, constantemente, na iminência de pisares o risco.
Depois...ficas com essa cara de mártir que a bem da verdade, tenho de concordar, te fica bem, enquanto apertas as mãos, como se apertasses os sentimentos que, constantemente sufocas, dentro de ti.
Poisas os teus olhos nos meus, num pedido mudo de ajuda e eu, impotente, perante a grandeza da tua alma, fico ali a admirar-te ainda mais, se é que isso é possível, porque a tua transcendência é quase contagiosa, levando-me por caminhos, que só tu conheces.
Ontem, tinha admiração por ti, uma admiração profunda.
Hoje amo-te acima de todas as coisas…
Aliás, as coisas não são para se amarem. São apenas para se terem.
Amo-te, acima de qualquer outra pessoa. Já sabias, não sabias? Sabias!
Não há segredos entre nós, apenas uma partilha desinteressada, de parte a parte, de sentimentos incomuns, à maior parte dos mortais.
- Como me dói a vida, hoje…
Voltas a repetir e eu deixo de ser quem sou e abraço-te num abraço eterno. Beijo-te os olhos, a curva do pescoço, o ombro nu e evito a tua boca porque tenho medo de morrer dentro dela. Tenho medo de me afogar na tua seiva. Tenho medo de mim, em ti…
Será que me percebes, minha amada?
Eu sei que esta expressão “minha amada”, soa a filme a preto e branco, sem som e onde as legendas corriam sôfregas e nós a lê-las, sôfregos, para não perdemos pitada, daqueles olhares velados e dos beijos dados de boca fechada, mas que arrancavam suspiros, até nos mais púdicos.
Amo-te assim, todos os dias… Amo-te assim, sempre!
- Como me dói a vida, hoje…
E porque as tuas dores são contagiosas, tomo-as como minhas e sofro no teu colo de amante, no teu abraço apertado e nas curvas insinuantes das tuas ancas, que tenho entre as minhas mãos, para melhor absorver essa dor que te consome e que agora, também me pertence.
Consigo, finalmente, vislumbrar um sorriso, breve, nos teus lábios. Talvez seja, por eles também já serem meus.
Ó amada minha, como perfumas a minha existência, com esses olhos de carvão, que mergulhas nos meus e onde me tens cativo, para sempre.
E de caçador, passo a presa…
E absorves-me, bebes-me com uma languidez que te é tão própria, numa entrega de sentidos e quereres.
Renovamos votos antigos.
Sobressaltos há muito esquecidos, exultam-se.
E eu e tu somos um…
- O que te dói? – pergunto-te com a minha alma colada à tua.
Emudecemos num beijo…
- Agora não me dói nada, – respondes humedecendo os lábios para rimarem com os teus olhos, que choram por alegrias, que apenas o coração pode sentir.
Instala-se em nós, uma vontade imensa de transpor, aquilo a que chamam felicidade e a que nós chamamos, entrega.
Volto a mergulhar nas curvas sinuosas do teu corpo( meu) e pergunto-te ao ouvido:
- Queres ser feliz comigo?
- Ontem, já era tarde. – Respondes, baixinho.
Calam-se as palavras porque as nossas almas pedem silêncio, enquanto a dor que há pouco te corroía a vida, se transforma num estado de graça, que só os amantes podem compreender…
Ana Fonseca da Luz