Será mesmo verdade que a mente é sempre enganada pelo coração? Este é um pensamento tipicamente masculino. Para as mulheres não é assim; nós acreditamos que a verdade reside precisamente no que sentimos. Quando nos envolvemos emocionalmente, o sentimento reforça o sentido da razão. Ou seja, na mente feminina o amor e a razão são aliados e quase nunca adversários. No entanto, este raciocínio já não é válido para os homens. Eles ouvem a razão e o coração como duas vozes antagónicas e muitas vezes inimigas. Os homens têm medo de viver um amor descontrolado, de passar pelo que se chama perder a cabeça por uma mulher. Porquê? Será que os homens têm mais medo das mulheres do que aparentam? E que, a somar ao medo pelo sexo oposto, eles também têm medo de se perder num sentimento amoroso profundo e desnorteado ao qual as mulheres se entregam tantas vezes?
Talvez as mulheres estejam mais predispostas a amar, na mesma medida em que os homens estejam mais treinados para pressentir os perigos do amor. Ou talvez os homens tenham mesmo mais medo das mulheres do que o que querem mostrar. Não apenas delas, mas do que uma mulher lhes pode fazer: medo de sentirem vontade de a perseguir até ao fim do mundo, medo de matar por ela, ou, pior ainda, de morrer por ela. Talvez por isso os escritores homens falem pouco de amor. E, quando o fazem, se refugiem em descrever amores alheios ou em justificações racionais para admitir amores impossíveis.
Tenho andado a reler a obra de Pedro Paixão e apercebi-me de que ele faz parte dos raríssimos escritores que só fala de amor. Mesmo quando disserta sobre a existência, a religião, o sexo ou a solidão, é sempre à luz de desse Sol central e nuclear. Em Ladrão de Fogo, romance introspectivo que narra a solidão de um amor perdido, Paixão explica-se: «O amor é um deus que se esconde por trás da superfície de tudo (…) apenas o seu abraço nos faz recuperar os sentidos, nos ressuscita à morte, ao degredo, ao exílio, concluindo que (…) é possível viver para todo o sempre na saudade de um amor».
Talvez seja esse o segredo do encanto da sua escrita e da sua obra. Ao contrário do que é comum na literatura masculina, não há feitos heróicos, guerras de poder ou de ego, lutas de corpo ou de espírito, viagens solitárias para esquecer mulheres ingratas ou missões impossíveis para apaziguar dores domésticas. Nos seus livros existe uma entrega total ao amor, tão pueril e inesperada que quase parece feminina. Talvez por isso a beleza persista, para lá da tristeza, para lá do exílio do coração, para lá de todas as formas de solidão.
Enquanto a sociedade de consumo inventa dias para tudo e o padroeiro internacional dos namorados se desdobra em cartões pirosos e campanhas publicitárias, dou razão ao Camilo que distinguia namorar e amar, afirmando que entre os dois está o reflectir. Namorar é fácil, amar é que talvez não, porque é quando começamos a reflectir sobre o amor que sentimos ou acerca do objecto amado que todos os medos e todas as dúvidas se começam a levantar. Talvez o melhor seja não pensar no assunto e deixar correr. O amor é como uma erva daninha; se não lhe mexermos, crescerá selvagem; se o esmiuçarmos, corremos o risco de o matar. O amor é quase tudo, por isso mais vale vivê-lo do que escrever sobre ele.
in Blogues do Sol..Margarida Rebelo Pinto